QUAL É O SEU VÍRUS EM TEMPOS DE PANDEMIA?


QUAL É O SEU VÍRUS EM TEMPOS DE PANDEMIA?

Por Sérgio Felix

 

Decerto que a situação mundial atual provocada pela pandemia do corona vírus será motivo de discussões durante um longo tempo. Assim como é muito provável que mudanças substanciais irão ocorrer na ordem mundial e em especial no tocante às relações humanas. Não temos ideia exata de quais transformações ocorrerão, mas sabemos que todos nós seremos afetados por uma força de mudança que nos levará para algum lugar além de tudo o que temos disponibilizado até agora.

 

Esta situação de isolamento social tem nos convidado a refletir em termos de relacionamento em várias direções, seja na forma como estamos lidando com a vida na terra, no uso dos recursos naturais, seja nas condições de comércio e negócios, seja ainda no âmbito interpessoal. Porém, seja qual for o ponto a ser analisado, todos eles convergem para um mesmo questionamento: qual é o seu vírus particular?

 

Sabemos que há pessoas que neste exato momento estão sofrendo nos leitos de hospitais acometidas pelo COVID-19 e seus peculiares sintomas físicos. No entanto, para todas as demais pessoas há ainda os respectivos vírus particulares. Neste último, não se trata de um agente externo a invadir a intimidade corpórea, mas de uma condição intrapsíquica já instalada e que agora, com o isolamento social, manifesta-se de modo ainda mais deflagrado.

 

Então, há pessoas que nestes últimos tempos estão sofrendo com o vírus da solidão. Mas, não a solidão que nos remete ao mais íntimo e essencial em nós; refiro-me àquela solidão dura e amarga que revela a incapacidade de fazer amizades e de mantê-las ao longo do tempo com as mais felizes lembranças. O curioso é que outras pessoas possuem um vírus quase oposto ao da solidão, é o vírus da incapacidade de ficar sozinhos e tranquilos. Conhecido como o vírus da constante inquietação, este vírus provoca nos doentes a urgente necessidade de estar o tempo todo cercado de pessoas, consumindo, produzindo coisas, fazendo e refazendo trabalhos freneticamente e de modo incessante.

 

Há aqueles que estão acometidos com o vírus da intolerância. Que, sem os subterfúgios dos compromissos sociais, está agora amplamente explicitado na convivência diária junto aos familiares. Inclusive muitos cônjuges têm se assombrado com a descoberta deste vírus em sua casa, cujos sintomas se apresentam na forma de comportamentos que irrompem em agressividade e impaciência, o que tem gerado aos casamentos sérias insatisfações e até divórcios.

Outras pessoas estão em suas casas com o vírus da tristeza. Este vírus costuma se aproximar de mansinho e atinge os olhos. Aos poucos ele vai murchando as cores de todas as coisas e em seu lugar deixa um rastro de insipidez, sombra e vazio.

 

Alguns ainda sentem os efeitos do vírus do medo, normalmente ele vem junto com os vírus do controle e da desesperança. O vírus do medo reage na forma de congelamento, ele congela os braços e pernas e inviabiliza toda e qualquer ação nova deixando o paciente com sérias restrições.

Já o vírus da ganância é um dos que estão acometendo principalmente a população rica dos contaminados. Apresenta fortes ligações com o vírus do apego e faz com que o paciente sinta uma vontade incontrolável de ganhar mais e mais dinheiro. É da mesma cepa do vírus da estupidez.

 

Tem ainda aqueles que estão sofrendo com o vírus da indiferença. Enquanto alguns estão se mobilizando em favor daqueles mais vulneráveis em ações de cuidados ou amparo social, muitas vezes arriscando a própria vida para isso, as pessoas tomadas pelo vírus da indiferença sequer se sensibilizam com a dor alheia.

 

Há, por fim, incontáveis tipos de vírus e combinações entre eles, cada um com os seus específicos sintomas: vírus da ignorância, da arrogância, do orgulho, da maledicência, da preguiça, da desordem…

 

E como sabemos, os vírus sofrem mutações de acordo com o ambiente, da resposta do seu hospedeiro e do tratamento que recebe. Nos vírus das emoções acontece o mesmo! Por isso é muito comum o vírus da indiferença se transformar no vírus do egoísmo, o vírus da frustração se transformar em desânimo, o da raiva virar crueldade, o da mágoa virar abandono e assim por diante.

 

Nem sempre é possível saber quando você foi contaminado por algum vírus, mas sabemos que todos eles têm sempre origem na relação afetiva entre você e alguém, ou em algum acontecimento do passado que não passou completamente e que tenha deixado espaço para um vírus ser plantado no coração. Aliás, todos estes vírus tem como foco principal o coração. É lá que eles ficam alojados até que o seu sistema imunológico reaja positivamente, suplantando as mazelas da doença e transformando-as em força e maturidade.

 

Na realidade não importa tanto qual tenha sido o contágio inicial, mas o que você decide fazer com os seus vírus particulares a partir de hoje.

 

Portanto, aproveite que você está em quarentena para tratar dos seus vírus pessoais, e diga, com verdade e coragem para você mesmo: qual é o seu vírus?

Publicado por Sergio Felix

Psicólogo Clínico (CRP 06/84354), Pós graduado USP e UNIFESP.

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